(Rev. Ricardo Barbosa
de Souza - adaptado)
Uma das grandes preocupações que envolve a experiência
espiritual hoje é o analfabetismo bíblico cada vez mais crescente nas novas
gerações de cristãos. O desinteresse pela Bíblia é alarmante.
A inquietação, o frenesi, a busca louca e insana por experiências
nunca satisfazem a alma. Precisamos de um manancial perene de águas que
satisfazem a sede do coração. Gostaria de propor um velho caminho para a
leitura bíblica chamada “lectio divina”, ou leitura devocional.
Leitura devocional é uma forma disciplinada de devoção e não
mais um método de estudo bíblico. Não me refiro aqui à leitura indutiva que
fazemos quando procuramos investigar o texto bíblico, ou àquela na qual
buscamos respostas mais imediatas para conflitos diários, nem mesmo a leitura
de onde saem os sermões e estudos bíblicos. Pelo contrário, a leitura
devocional nunca deve ser usada para algum outro propósito utilitário ou
pragmático. É feita pura e simplesmente para conhecer a Deus, colocar-se diante
da Sua Palavra e ouvi-lo. Esta atitude de silêncio, reverência, meditação e
contemplação define a postura de quem deseja aproximar-se da Palavra de Deus.
O Reverendo Eugene Peterson chamava esta leitura de “exegese
contemplativa”. Para ele, trata-se de uma leitura bíblica usada pela igreja em
sua história. A exegese contemplativa não diminui o lugar da exegese técnica e
teológica, porém nenhuma técnica produz alimento ou cura, bem como nenhuma
informação produz conhecimento. Segundo ele, existe algo vivo em um livro, algo
mais do que palavras ordenadas, existe uma alma. A descoberta da exegese
contemplativa começa com a percepção de que toda a palavra é basicamente e
originalmente um fenômeno sonoro e não impresso. Palavras são faladas antes de
serem escritas, são ouvidas antes de serem lidas. As palavras de Jesus que
ficaram e que são necessárias para a nossa salvação, são aquelas que foram
ouvidas, saboreadas, digeridas, repetidas e pregadas, num processo dinâmico,
envolvendo a comunidade dos crentes. “Lectio divina” é uma leitura para
transformação.
São quatro os estágios pelas quais passamos ao nos
dedicarmos à leitura devocional: leitura, meditação, oração e contemplação.
Cada um nos conduz inevitavelmente ao outro. A leitura, quando feita
repetidamente e com reverência, conduz à reflexão que muitas vezes vem
acompanhada de uma visualização da cena bíblica. Essa atitude de permitir que o
texto nos conduza imaginativamente é que os antigos chamavam de meditação. A
meditação produzirá um desejo de falar com Deus e este movimento do coração em
direção a Deus é o começo da oração. Contemplação é o ponto alto da experiência
da oração; é a profunda comunhão com Deus que nos envolve completamente e
transforma nossa vida.
Todo relacionamento pessoal requer tempo, esforço e atenção.
A prática diária da leitura devocional estabelece um padrão que se transforma
na base para um relacionamento sério e profundo com Deus. Talvez, por exigir
tempo e uma abordagem não direcionada, objetiva, com resultados concretos, a
leitura devocional não tem grande aceitação no mundo moderno caracterizado pela
sua praticidade, racionalidade, superficialidade, impessoalidade e urgência.
A prática desse exercício espiritual trará também grande
influência nas nossas relações interpessoais, pois nos ajudará a ouvir melhor
os outros, deixando que eles mesmos se revelem a nós evitando a precipitação
dos nossos juízos preconceituosos.
Ler a Bíblia não é sempre a mesma coisa que ouvir a Deus.
Uma ação nem sempre implica outra. Ouvir a Deus exige uma postura, uma atitude
diante de Sua Palavra. A leitura devocional é uma forma de nos colocarmos
diante de Deus e Sua Palavra como de fato deseja ouvir, meditar, orar e
contemplar. É dessa postura que nasce, não apenas o prazer pela Palavra de
Deus, mas também a experiência transformadora do poder da Graça Divina.