"Assim que eles ouviram isso,
adoraram todos juntos [homothumadon] a Deus, dizendo:
..." (At 4.24)
Homothumadon é uma
daquelas palavras que não se encontra uma tradução adequada na nossa língua. Na
passagem acima, bem como em outras onde essa palavra é usada (10 vezes em Atos
e 1 vez em Romanos), seu sentido fica enfraquecido. Morfologicamente, homothumadon é composto por homo ("junto",
"mesmo") e thymos
("enfurecer-se", "ferver"). Entender, então, essa palavra
apenas no sentido de "unanimidade" pode nos fazer perder toda sua
amplitude e aplicação na nossa vida como cristão.
Segundo o Pr. Eugene Peterson, homothumadon tem uma força particular: ela provoca o leitor-ouvinte
a uma relação intensa e amorosa com as pessoas e destaca o sentimento de fúria
ou de intrepidez ligados à vida de paz e humildade. Pode-se dizer, assim, que
essa palavra contém a energia da raiva, sem o sentimento de raiva; possui a
emoção forte de um ataque a alguém, sem, contudo, expressar maldade ou dolo. E,
ainda, se for aplicada num contexto comunitário de igreja, fornece a base das
relações interpessoais, isto é, humildade na postura diante do outro e paixão
em promover o reinar de Deus na comunidade.
Sem dúvida, pelo exposto, pode-se perceber que homothumadon é um desafio para todos os
discípulos de Cristo. Principalmente, porque viver, ao mesmo tempo, a ambigüidade
da intrepidez e da humildade não é comum no nosso tempo. Na verdade, tendemos
aos extremos: somos dominadores ou passivos; somos invasivos ou tímidos;
gritamos ou nos calamos. Talvez essa polarização nos comportamentos seja fruto
de um estilo cartesiano e maniqueísta da sociedade ocidental. Há muita
dificuldade, então, em se pensar (e viver!) baseado em um sistema complexo ou
múltiplo; o paradoxo da vida não faz parte do nosso dia a dia.
Jesus, por outro lado, mostra com sua vida que viver o homothumadon na igreja e no mundo é
possível. Com seu agir amoroso ele promoveu uma revolução radical na sociedade
onde viveu e que tem impacto até os nossos dias. Ele amou a todas as pessoas
incondicionalmente, mas não deixou de expulsar do templo os mercadores que
exploravam os pobres; tratou com dignidade mulheres, crianças, leprosos e
prostitutas, mas não deixou de exigir que todos carregassem a sua respectiva
cruz; andou com publicamos, religiosos e pessoas de alta classe, mas nunca
deixou de manifestar-se contra a religiosidade, a ganância e a vida sem
generosidade. Sim, é possível experimentar o homothumadon. Pois, se o grande objetivo de nossa vida é ser
semelhante a Cristo, não podemos estabelecer metas menores do que ser como
Jesus foi. É compromisso de todo discípulo-seguidor, portanto, estabelecer um
esforço contracultural, além, é claro, de uma vida dedicada à oração e à
piedade, para levar isso a bom termo.
Cabe destacar, finalmente, que houve pessoas que
experimentaram esse sentimento-ação chamado homothumadon.
Uma delas chama-se Mohandas K. Gandhi. Apesar de não ter se tornado cristão,
ele viveu o Sermão da Montanha de Jesus até as últimas consequências e proporcionou
a libertação da Índia do jugo inglês através da paz, da vida simples, do amor
incondicional e da desobediência civil. Outra pessoa digna de ser lembrada é o
indiano da seita sik Sadhu Sundar Singh. Mesmo diante de perseguições, prisões
e privações ele foi um destemido arauto do evangelho na Índia e no Tibete,
munido apenas de um Novo Testamento.
Pregou, ainda, nos EUA e em diversos países da Europa, mas nunca deixou
seu estilo de vida simples e seu propósito de anunciar o evangelho nos
arredores do Himalaia.
Rev. Vinicius.